A atribuição de classificações escolares negativas a um conjunto relativamente numeroso de estudantes, é um fenómeno educacional e social frequentemente referido na literatura por “insucesso escolar”. As cifras estatísticas sugerem tratar-se de uma realidade de dimensão bastante preocupante, mas simultaneamente muito complexa, com múltiplas causas, profundamente interrelacionadas. A pluralidade de aspectos que deveriam ser contemplados na análise do fenómeno, tornam a expressão redutora e desadequada, porém, justifica-se a sua utilização pela sua familiaridade com o leitor. Cada um dos actores sociais que intervém ou acompanha o processo de ensino-aprendizagem tem, naturalmente, a sua visão do problema, mas a sua explicitação em termos científicos exige a construção ferramentas cognitivas que permitam fundamentar as justificações, ultrapassando a expressão sumária dos diversos pontos de vista.
A imagem do insucesso escolar depende do seu próprio conceito. Definindo-o a partir das taxas de reprovação/retenção nos diversos níveis de escolaridade, terá registado um crescimento acentuado nas últimas décadas, apresentando-se como um fenómeno relativamente novo, acompanhando a igualmente recente massificação do ensino. Porém, se se observar a reduzida escolaridade da população activa portuguesa, comparativamente a outros países da OCDE, encontra-se um fenómeno tradicionalmente explicativo da reduzida produtividade do trabalho. Por exemplo, analisando a percentagem da população activa que tem pelo menos o 9º ano de escolaridade (OCDE, 2003:106), descobre-se Portugal na 26ª posição, ultrapassando apenas o México e a Turquia. Seria fastidioso indicar os restantes 25 países. Não é novidade que Portugal já há 40 ou 20 anos atrás registasse a escolaridade mais reduzida da OCDE, mas é particularmente preocupante verificar que a distância está a aumentar relativamente à generalidade dos outros países.
Independentemente da perspectiva, o insucesso escolar não é um problema apenas dos actores directamente envolvidos: alunos e professores. A sua importância justifica um amplo debate público, colocando a educação no centro da arena política, porque se entende que o nível de escolaridade formal é um factor determinante do crescimento económico e do desenvolvimento social. Sabe-se que o resultado das políticas educativas apenas é observável a longo prazo, mas a urgência com que se procuram soluções nem permite que se avaliem as decisões anteriores, traduzindo-se numa elevada rotação dos Ministros da Educação que inviabiliza um justo julgamento político da generalidade destes. A importância do insucesso escolar no debate político é em si mesmo um fenómeno novo, interessando analisar as diferentes representações em presença, para que o jogo destas não ofusque a própria realidade que as suas ferramentas cognitivas recriam. O debate encontra-se fortemente alicerçado na informação estatística e na racionalidade económica, que responsabilizam o baixo nível de educação formal pela reduzida produtividade do trabalho, pela falta de competitividade das empresas, pelo 27º lugar atribuído a Portugal pelo índice de desenvolvimento humano (PNUD, 2005),... Por exemplo, tornou-se mais imediata a relação entre a educação e o desenvolvimento após o cálculo do IDH , que apenas foi inventado em 1990, como estratégia do PNUD para popularizar os seus relatórios. Os dados mais fiáveis que animam o debate público são produzidos pelas organizações internacionais, designadamente pela ONU e pela OCDE, fundadas no pós-guerra. Apenas se fizeram estas observações para enfatizar que a numerosa informação estatística hoje disponível, é em si mesma um acontecimento recente. Esta informação estatística constitui-se também como a plataforma de pensamento na qual se expressa o debate público, donde se pode concluir que a importância do próprio debate político em torno do binómio educação/desenvolvimento é igualmente recente.
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