28.12.05

É impensável a compreensão do debate desconhecendo o contexto histórico de massificação do ensino observado nas últimas décadas

Recuar ao século XIX não teria grande utilidade para a explicitação do debate na actualidade, visto que a própria distância temporal relativiza a importância dos factos. Porém, é impensável a compreensão do debate desconhecendo o contexto histórico de massificação do ensino observado nas últimas décadas do século XX. Por exemplo, segundo o relatório Matemática 2001, “entre 1980 e 1988, o número total de professores do grupo quase duplicou, passando de 3000 para 5500, aproximadamente” (APM, 1998:9). Este crescimento apenas se justifica pela flexibilização das regras de acesso à carreira, pois “ao longo dos anos 70 e 80, a falta de qualificação profissional de uma larga percentagem de professores era uma característica conhecida do grupo de Matemática, constituindo um dos mais sérios problemas do sistema educativo ao nível da composição do corpo docente” (ibidem). O referido relatório recomenda a rápida extinção do sistema de profissionalização em serviço (APM,1998:81), sem o qual teria sido impossível dispor de docentes que respondessem ao forte acréscimo da procura. Portanto, a massificação do ensino teve consequências no sistema de formação de professores. É indispensável conhecer a sua história recente para compreender muitas das críticas veiculadas pelos especialistas ao ensino da Matemática de hoje. Por exemplo, esta contextualização já oferece pistas para a compreensão dos comentários de muitos professores universitários de Matemática, como Jorge Buescu, do Instituto Superior Técnico:

Operou-se uma espécie de fluidificação do ensino - é tudo mais ou menos. Trata-se de uma abordagem que ganhou terreno nos últimos 15/20 anos e que acabou por permear toda a cultura educativa entre nós. Hoje os programas de Matemática, aquilo que se aprende nesta disciplina, é quase uma caricatura grotesca do que existia há 20 anos.
Operou-se um nivelamento por baixo ao nível dos programas, do que se exige aos alunos, da preparação científica dos professores e até dos próprios manuais. Os erros que tenho encontrado nos manuais! A começar pelo primeiro ciclo. O que tem um efeito a dobrar. Há muitos professores que têm os manuais como principal material para preparar as aulas e se os manuais são maus, têm asneiras, eles acabam a transmitir asneiras.
PÚBLICA, nº 493, 6 de Novembro de 2005.

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