13.11.07

Os melhores professores do país



Governo quer valorizar a educação e os professores. Prémios destacam docentes «excepcionais». Professor vencedor tem 60 anos, ensina matemática em Aveiro e diz que as mudanças na educação são necessárias, mas devem ser «participadas». Sócrates salienta que prémios não são para «massajar» corporação.

O Governo de José Sócrates distinguiu, esta manhã, no Centro Cultural de Belém, os melhores professores de Portugal em 2007. O primeiro-ministro fez questão de salientar que a atribuição dos louvores não é uma «operação de relações públicas» e que não estava a «massajar» a corporação. Professor vencedor tem 60 anos e ensina matemática em Aveiro.

O Prémio Nacional de Professores conheceu a primeira edição este ano depois de ter sido anunciado ainda no ao passado pela ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues. O Prémio Nacional é a principal distinção atribuída e tem o valor de 25 mil euros. Os restantes prémios são de mérito (não há qualquer valor monetário) e foram atribuídos nas categorias de carreira, inovação e liderança.

Arsélio Martins tem 60 anos e foi considerado, pelo júri presidido por Daniel Sampaio, o professor «excepcional» de 2007. Docente de matemática pura já foi dirigente da Fenprof e é caracterizado pelos seus alunos como um professor que «conseguiu tornar a matemática divertida». Utiliza as tecnologias, como o quadro interactivo no ensino da geometria, e a Internet para comunicar com os alunos dentro e fora da sala de aulas.

Os pares de Arsélio Martins na Escola Secundária de José Estêvão, em Aveiro, descrevem-no como o professor que «todos os alunos gostam». O dom de comunicar e surpreender, de trazer a matemática para a «realidade», assim como a irreverência, brincadeira e diferença colocou-o como professor de «excelência».

«Sou feliz por se professor no meu país», disse Arsélio Martins no seu discurso onde agradeceu ao Portugal de Abril que lhe permitiu evoluir de uma posição combatente, para uma posição de participação no sistema educativo. Garante que apanhou todas as oportunidades e em declarações ao PortugalDiário não tem receio em afirmar que mudava várias coisas na educação em Portugal.

«Há mudanças que levam a grandes tristezas, porque não são consentidas», afirma o docente premiado que defende a existência que um «défice de participação» nas decisões do Governo. «Não houve participação o que levou a que as mudanças não fossem consentidas», esclareceu.

Fonte: Portugal Diário, 13/NOV/2007

Sites de Arsélio Martins

9.11.07

Anarquia terminológica na gramática e falta de memorização explicam notas a Português e Matemática

PÚBLICO, 08.11.2007, Sandra Silva Costa

Primeiro os aplausos: "Finalmente há dados que permitem fazer o diagnóstico dos alunos competência a competência e saber quais as áreas onde são bons ou maus". Depois a crítica: "É pena que os resultados não sejam públicos, para que toda a gente possa perceber por que é que a Associação de Professores de Português [APP] toma algumas posições."
No dia seguinte à divulgação dos resultados das provas de aferição dos 4.º e 6.º anos, a primeira coisa que Paulo Feytor Pinto, presidente da APP, faz questão de dizer é que os dados "não são nada surpreendentes". "Já tínhamos alertado para quase tudo o que ficou explícito agora", comenta. O que ficou explícito foi isto: o que os alunos do 4.º e do 6.º ano sabem fazer melhor é ler. E dentro da leitura lêem melhor textos literários do que não-literários, como, aliás, mostrou o estudo internacional PISA de 2001. "Por isso é que andámos há muito a defender que as aulas devem ter mais textos não-literários."
Por outro lado, as provas de aferição mostram que é "fraquíssima" a competência de escrita dos alunos e que parece haver uma perda do domínio de conceitos de gramática quando passam do 4.º para o 6.º ano. Porquê? Talvez por isto, interpreta Feytor Pinto: porque "há 30 anos que em Portugal há uma anarquia terminológica" - a APP é favorável à adopção da polémica TLEBS - e porque no 2.º ciclo "a quantidade e a complexidade dos conteúdos gramaticais aumenta enormemente".
Já Nuno Crato, da Sociedade Portuguesa de Matemática, começa por realçar que os resultados das provas "não são comparáveis de ano para ano", pelo que as leituras que delas se tiram têm de ser "cuidadosas". Feita a ressalva, nota que os problemas detectados na disciplina são os mesmos que os encontrados nos países que, nos últimos 20 anos, "introduziram reformas iguais à nossa". Um dado salta logo à vista: "As competências em números e cálculo não são suficientemente consolidadas no 1.º ciclo e não são reforçadas no 2.º ciclo".
"É preciso um ensino mais sistemático dos mecanismos do cálculo e dos números. O estilo de ensino que temos no país é mais fluido: despreza-se a memorização, os automatismos", analisa. Os alunos "aprendem o essencial dos números e cálculo, mas esquecem-se rapidamente", prossegue. E se no 6.º ano dão mostras de não saberem cálculo e saberem de álgebra e funções, a explicação é simples: estas são matérias mais aprofundadas neste ciclo de ensino - logo, estão "mais frescas" nas cabeças dos miúdos.

7.11.07

Cursos de Educação e Formação (CEF) - Domingos Freire Cardoso

Carta aberta ao Senhor Presidente da República Portuguesa

Ílhavo, 22 de Outubro de 2007

Senhor Presidente da República Portuguesa

Excelência:

Disse V. Excia, no discurso do passado dia 5 de Outubro, que os professores precisavam de ser dignificados e eu ouso acrescentar: “Talvez V. Excia não saiba bem quanto!”

1. Sou professor há mais de trinta e seis anos e no ano passado tive o primeiro contacto com a maior mentira e o maior engano (não lhe chamo fraude porque talvez lhe falte a “má-fé”) do ensino em Portugal que dá pelo nome de Cursos de Educação e Formação (CEF).
A mentira começa logo no facto de dois anos nestes cursos darem equivalência ao 9º ano, isto é, aldrabando a Matemática, dois é igual a três!
Um aluno pode faltar dez, vinte, trinta vezes a uma ou a várias disciplinas (mesmo estando na escola) mas, com aulas de remediação, de recuperação ou de compensação (chamem-lhe o que quiserem mas serão sempre sucedâneos de aulas e nunca aulas verdadeiras como as outras) fica sem faltas. Pode ter cinco, dez ou quinze faltas disciplinares, pode inclusive ter sido suspenso que no fim do ano fica sem faltas, fica puro e imaculado como se nascesse nesse momento.
Qual é a mensagem que o aluno retira deste procedimento? Que pode fazer tudo o que lhe apetecer que no final da ano desce sobre ele uma luz divina que o purifica ao contrário do que na vida acontece. Como se vê claramente não pode haver melhor incentivo à irresponsabilidade do que este.

2. Actualmente sinto vergonha de ser professor porque muitos alunos podem este ano encontrar-me na rua e dizerem: ”Lá vai o palerma que se fartou de me dizer para me portar bem, que me dizia que podia reprovar por faltas e, afinal, não me aconteceu nada disso. Grande estúpido!”

3. É muito fácil falar de alunos problemáticos a partir dos gabinetes mas a distância que vai deles até às salas de aula é abissal. E é-o porque quando os responsáveis aparecem numa escola levam atrás de si (ou à sua frente, tanto faz) um magote de televisões e de jornais que se atropelam uns aos outros. Deviam era aparecer nas escolas sem avisar, sem jornalistas, trazer o seu carro particular e não terem lugar para estacionar como acontece na minha escola.
Quando aparecem fazem-no com crianças escolhidas e pagas por uma empresa de casting para ficarem bonitos (as crianças e os governantes) na televisão.
Os nossos alunos não são recrutados dessa maneira, não são louros, não têm caracóis no cabelo nem vestem roupa de marca.
Os nossos alunos entram na sala de aula aos berros e aos encontrões, trazem vestidas camisolas interiores cavadas, cheiram a suor e a outras coisas e têm os dentes em mísero estado.
Os nossos alunos estão em estado bruto, estão tal e qual a Natureza os fez, cresceram como silvas que nunca viram uma tesoura de poda. Apesar de terem 15/16 anos parece que nunca conviveram com gente civilizada.
Não fazem distinção entre o recreio e o interior da sala de aula onde entram de boné na cabeça, headphones nos ouvidos continuando as conversas que traziam do recreio.
Os nossos alunos entram na sala, sentam-se na cadeira, abrem as pernas, deixam-se escorregar pela cadeira abaixo e não trazem nem esferográfica nem uma folha de papel onde possam escrever seja o que for.
Quando lhes digo para se sentarem direitos, para se desencostarem da parede, para não se virarem para trás olham-me de soslaio como que a dizer “Olha-me este!” e passados alguns segundos estão com as mesmas atitudes.

4. Eu não quero alunos perfeitos. Eu quero apenas alunos normais!!!
Alunos que ao serem repreendidos não contradigam o que eu disse e que ao serem novamente chamados à razão não voltem a responder querendo ter a última palavra desafiando a minha autoridade, não me respeitando nem como pessoa mais velha nem como professor. Se nunca tive de aturar faltas de educação aos meus filhos por que é que hei-de aturar faltas de educação aos filhos dos outros? O Estado paga-me para ensinar os alunos, para os educar e ajudar a crescer; não me paga para os aturar! Quem vai conseguir dar aulas a alunos destes até aos 65 anos de idade?
Actualmente só vai para professor quem não está no seu juízo perfeito mas se o estiver, em cinco anos (ou cinco meses bastarão?...) os alunos se encarregarão de lhe arruinar completamente a sanidade mental.
Eu quero alunos que não falem todos ao mesmo tempo sobre coisas que não têm nada a ver com as aulas e quando peço a um que se cale ele não me responda: “Por que é que me mandou calar a mim? Não vê os outros também a falar?”
Eu quero alunos que não façam comentários despropositados de modo a que os outros se riam e respondam ao que eles disseram ateando o rastilho da balbúrdia em que ninguém se entende.
Eu quero alunos que não me obriguem a repetir em todas as aulas “Entram, sentam-se e calam-se!”
Eu quero alunos que não usem artes de ventríloquo para assobiar, cantar, grunhir, mugir, roncar e emitir outros sons. É claro que se eu não quisesse dar mais aula bastaria perguntar quem tinha sido e não sairia mais dali pois ninguém assumiria a responsabilidade.
Eu quero alunos que não desconheçam a existência de expressões como “obrigado”, “por favor” e “desculpe” e que as usem sempre que o seu emprego se justifique.
Eu quero alunos que ao serem chamados a participar na aula não me olhem com enfado dizendo interiormente “Mas o que é que este quer agora?” e demorem uma eternidade a disponibilizar-se para a tarefa como se me estivessem a fazer um grande favor. Que fique bem claro que os alunos não me fazem favor nenhum em estarem na aula e a portarem-se bem.
Eu quero alunos que não estejam constantemente a receber e a enviar mensagens por telemóvel e a recusarem-se a entregar-mo quando lho peço para terminar esse contacto com o exterior pois esse aluno “não está na sala”, está com a cabeça em outros mundos.
Eu sou um trabalhador como outro qualquer e como tal exijo condições de trabalho! Ora, como é que eu posso construir uma frase coerente, como é que eu posso escolher as palavras certas para ser claro e convincente se vejo um aluno a balouçar-se na cadeira, outro virado para trás a rir-se, outro a mexer no telemóvel e outro com a cabeça pousada na mesa a querer dormir?
Quando as aulas são apoiadas por fichas de trabalho gostaria que os alunos, ao sair da sala, não as amarrotassem e deitassem no cesto do lixo mesmo à minha frente ou não as deixassem “esquecidas” em cima da mesa.
Nos últimos cinco minutos de uma aula disse aos alunos que se aproximassem da secretária pois iria fazer uma experiência ilustrando o que tinha sido explicado e eles puseram os bonés na cabeça, as mochilas às costas e encaminharam-se todos em grande conversa para a porta da sala à espera que tocasse. Disse-lhes: “Meus meninos, a aula ainda não acabou! Cheguem-se aqui para verem a experiência!” mas nenhum deles se moveu um milímetro!!!
Como é possível, com alunos destes, criar a empatia necessária para uma aula bem sucedida?
É por estas e por outras que eu NÃO ADMITO A NINGUÉM, RIGOROSAMENTE A NINGUÉM, que ouse pensar, insinuar ou dizer que se os meus alunos não aprendem a culpa é minha!!!

5. No ano passado tive uma turma do 10º ano dum curso profissional em que um aluno, para resolver um problema no quadro, tinha de multiplicar 0,5 por 2 e este virou-se para os colegas a perguntar quem tinha uma máquina de calcular!!! No mesmo dia e na mesma turma outro aluno também pediu uma máquina de calcular para dividir 25,6 por 1.
Estes alunos podem não saber efectuar estas operações sem máquina e talvez tenham esse direito. O que não se pode é dizer que são alunos de uma turma do 10º ano!!!
Com este tipo de qualificação dada aos alunos não me admira que, daqui a dois ou três anos, estejamos à frente de todos os países europeus e do resto do mundo. Talvez estejamos só que os alunos continuarão a ser brutos, burros, ignorantes e desqualificados mas com um diploma!!!

6. São estes os alunos que, ao regressarem à escola, tanto orgulho dão ao Governo. Só que ninguém diz que os Cursos de Educação e Formação são enormes ecopontos (não sejamos hipócritas nem tenhamos medo das palavras) onde desaguam os alunos das mais diversas proveniências e com histórias de vida escolar e familiar de arrepiar desde várias repetências e inúmeras faltas disciplinares até famílias irresponsáveis.
Para os que têm traumas, doenças, carências, limitações e dificuldades várias há médicos, psicólogos, assistentes sociais e outros técnicos, em quantidade suficiente, para os ajudar e complementar o trabalho dos professores?
Há alunos que têm o sublime descaramento de dizer que não andam na escola para estudar mas para “tirar o 9º ano”.
Outros há que, simplesmente, não sabem o que andam a fazer na escola…
E, por último, existem os que se passeiam na escola só para boicotar as aulas e para infernizar a vida aos professores. Quem é que consegue ensinar seja o que for a alunos destes? E por que é que eu tenho de os aturar numa sala de aula durante períodos de noventa e de quarenta e cinco minutos por semana durante um ano lectivo? A troco de quê? Da gratidão da sociedade e do reconhecimento e do apreço do Ministério não é, de certeza absoluta!

7. Eu desafio seja quem for do Ministério da Educação (ou de outra área da sociedade) a enfrentar (o verbo é mesmo esse, “enfrentar”, já que de uma luta se trata…), durante uma semana apenas, uma turma destas sozinho, sem jornalistas nem guarda-costas, e cumprir um horário de professor tentando ensinar um assunto qualquer de uma unidade didáctica do programa escolar.
Eu quero saber se ao fim dessa semana esse ilustre voluntário ainda estará com vontade de continuar. E não me digam que isto é demagogia porque demagogia é falar das coisas sem as conhecer e a realidade escolar está numa sala de aula com alunos de carne, osso e odores e não num gabinete onde esses alunos são números num mapa de estatística e eu sei perfeitamente que o que o Governo quer são números para esse mapa, quer os alunos saibam estar sentados numa cadeira ou não (saber ler e explicar o que leram seria pedir demasiado pois esse conhecimento justificaria equivalência, não ao 9º ano, mas a um bacharelato…).
É preciso que o Ministério diga aos alunos que a aprendizagem exige esforço, que aprender custa, que aprender “dói”! É preciso dizer aos alunos que não basta andar na escola de telemóvel na mão para memorizar conhecimentos, aprender técnicas e adoptar posturas e comportamentos socialmente correctos.

Se V.Excia achar que eu sou pessimista e que estou a perder a sensibilidade por estar em contacto diário com este tipo de jovens pergunte a opinião de outros professores, indague junto das escolas, mande alguém saber. Mas tenha cuidado porque estes cursos são uma mentira…

Permita-me discordar de V. Excia mas dizer que os professores têm de ser dignificados é pouco, muito pouco mesmo…

Atenciosamente

Domingos Freire Cardoso
Professor de Ciências Físico-Químicas
E-mail: dfcardos@gmail.com

5.11.07

Deixem os professores em paz - Maria Filomena Mónica

Não conheço muitos professores do ensino básico e secundário, mas o contacto que, ao longo dos anos, venho mantendo com alguns e o facto de ter netos a frequentar a escolaridade obrigatória permite-me ter uma ideia mínima do que se passa nas escolas. Aliás, se não me posso pronunciar com mais profundidade sobre estes graus de ensino não é responsabilidade minha, mas das leis que o Ministério da Educação promulga.

Há quatro ou cinco anos, ofereci-me para, durante um ano lectivo, leccionar História em qualquer grau de ensino não superior, coisa que um jurista do ministério me explicou ser impossível, por ter "habilitações a mais". O meu plano era analisar o ambiente de uma escola da periferia de Lisboa com o objectivo de, no final do ano, escrever um livro. Pelos vistos, faltava-me percorrer o calvário a que estes docentes são sujeitos.

É fácil deitar a culpa dos males do ensino para cima dos professores. No sossego do lar, eu própria já o fiz, mas as coisas chegaram a um ponto que o ataque a esta classe, especialmente se vindo do ministério, é indecoroso. Para se ser bom docente, são precisas três coisas: uma sólida preparação de base, prestígio junto da comunidade e autonomia de acção. A isto pode juntar-se a paixão pelo que se lecciona, um ideal que nem todos podem atingir. Ora que vemos? O Estado prepara mal os docentes (obrigando-os a frequentar cursos mal estruturados e estágios baseados em cursos recheados de jargão inútil), mina o seu status profissional e pretende regulamentar tudo o que se passa na sala de aula. Não estou a falar do curricula, que, esse sim, compete ao poder central elaborar, mas das centenas de despachos normativos, regulamentos e grelhas que atulham as caixas de correio das escolas. Depois de lhes ter dado uma educação deficiente, de ter transformado a sua carreira num pesadelo, de lhes ter retirado a possibilidade de inovar, o Estado dá-se ao luxo de os olhar com desconfiança.

Estou consciente de que, como em todas as profissões, há ovelhas ranhosas dentro da classe. Mas este problema só pode ser resolvido por uma direcção escolar composta de forma diferente e por um sistema de ensino mais flexível do que aquele que existe. Para mal dos nossos pecados, nenhum governo teve coragem para alterar o esquema de organização das escolas, muito menos para deitar abaixo o bloco monolítico que para aí anda a cambalear. Um director empenhado fará sempre a diferença. Tendo começado bem, a actual ministra derrapou e o primeiro-ministro lembrou-se de usar o velho truque de tentar isolar o sindicato das suas bases. Jamais defendi actuar este de forma imaculada - considero até que a maior parte das suas ideias é errada -, mas a degradação do ensino não é fundamentalmente culpa sua, uma vez que o sindicato só interfere porque o poder o deixa. Finalmente, a aparição, no dia 8 de Outubro, de polícias à civil na sede do sindicato na Covilhã, de onde levaram documentos relativos a uma anunciada manifestação contra o engenheiro Sócrates é inadmissível. Só um país apático aceita as conclusões idiotas que, após um chamado "inquérito", o Governo tornou públicas.

Deixo de lado as paranóias do primeiro-ministro para me centrar no tema deste artigo. Para além de terem de leccionar programas imbecis, de passarem a vida a girar de uma escola para outra, de serem sujeitos a avaliações surrealistas, os professores são obrigados a aturar alunos malcriados. Há tempos, um professor contou-me ter sido agredido por um aluno de 17 anos, tendo-me em seguida explicado que decidira não responder à letra ao matulão, porque isso implicaria um processo disciplinar contra ele, docente, e não contra o aluno. Mas não é apenas a violência, mas a apatia que mina a escola. Recordam-se daquela reportagem da RTP1, em que se via uma turma onde, farta de ouvir a lição, uma miúda se punha a varrer o chão? É com isto que, dia após dia, após dia, muitos docentes se defrontam.

Há 30 anos, quando os meus filhos entraram para o ciclo preparatório (actuais 5.º e 6.º anos), numa escola pública (a Manuel da Maia), ao lado do Casal Ventoso, quase todos os alunos pertenciam à burguesia. O ambiente que ali se respirava reflectia a cultura que as crianças traziam de casa: mesmo quando não livresco, o ethos era hierárquico. Com a evolução da sociedade portuguesa - e não o devemos lamentar - tudo isto mudou. Muitos dos alunos provêm agora de meios sócio-económicos baixos e são fruto de gerações de analfabetos. É com crianças educadas à base de telenovelas e de "saberes" aprendidos na rua que os professores têm de lidar. Como se isto não bastasse, a escola é forçada a desempenhar funções que, em princípio, lhe não competiria, tais como cuidar de miúdas que engravidam aos 13 anos e de rapazes que consomem drogas.

Não quero pensar no que é a vida de uma jovem, com filhos pequenos, que diariamente tem de fazer quilómetros, a fim de chegar ao estabelecimento escolar para o qual foi "destacada" - só o termo me horroriza! -, onde é obrigada a enfrentar crianças para quem o ensino é uma maçada. Em geral, sou pouco condescendente com as "baixas" justificadas por atestados que confirmam doenças psíquicas, mas, no caso dos professores, tenho de abrir uma excepção. Só no último mês, deparei-me com duas professoras que se tinham ido abaixo. Nenhuma ensinava, repare-se, em zonas socialmente turbulentas: uma leccionava numa aldeia perto de Viseu, a outra em Évora. O que as afectara fora a ausência de independência dentro da sala de aula: ambas se sentiam marionetes numa peça que não tinham escrito. Sem programas bem feitos, sem manuais decentes, sem incentivos para se actualizarem, a vida dos professores transformou-se num inferno.

Maria Filomena Mónica
Fonte: PÚBLICO assinantes

Quem está disposto a bater-se pela escola? - António Nóvoa

Nos últimos vinte anos, a generalização de uma educação básica de 9 anos pode ser contada como uma história de sucesso, como uma "herança" de que nos podemos orgulhar como acaba de recordar o Primeiro-Ministro. Mas, recentemente, descobrimos a reduzida percentagem de jovens que termina o 12º ano de escolaridade. Novos indicadores estatísticos, produzidos pela OCDE e pela União Europeia, deixam-nos inquietos e preocupados. Não espanta, por isso, que o actual Governo tenha anunciado como objectivo "a obrigatoriedade de formação profissional ou de frequência escolar até aos 18 anos".
Quero chamar a atenção, com estas breves referências, para a profunda insatisfação que se instalou na sociedade portuguesa no que se refere aos índices de insucesso e de abandono escolar ou à saída prematura do sistema educativo sem qualquer qualificação. O país sente-se muito frágil na comparação com os seus parceiros europeus.
Mas esta insatisfação "quantitativa", chamemos-lhe assim, desdobra-se numa outra, "qualitativa", relacionada com os fracos resultados escolares dos alunos. Uma série de estudos internacionais, fortemente inspirados por comparatistas e investigadores da educação, divulgaram, nos últimos anos, "listas" que situam os nossos alunos nos últimos lugares.
Portugal tinha a ilusão de estar a fazer um esforço importante na área da Educação. De repente, tanto os indicadores quantitativos como os qualitativos, explicavam-nos, com a força dos números, que continuávamos no mesmo lugar de sempre, aquele lugar que a nossa literatura designou por "cauda da Europa".
Será que não houve melhorias? Claro que houve, mas a nossa "posição relativa" não se alterou desde o final do século XIX. Peço desculpa de falar com esta frontalidade. Talvez não seja a melhor maneira de iniciar um debate sobre o futuro da Educação. Eu sei que é duro, mas precisamos de nos olhar no "espelho do passado", de um passado ainda tão presente.
E porquê? São muitas as razões, de uma história longa, que não é possível resumir em poucas palavras. Do ponto de vista da educação sempre fomos o Sul do Sul. Olhámos para a escola, melhor dizendo, para a cultura escolar com reserva e desconfiança. Cultivámos, e praticámos, uma visão de nós mesmos que nos situa do lado da inventividade, do engenho e da astúcia, da esperteza, até do génio. Mas O mundo que o português criou, para lembrar Gilberto Freire, revelou-se avesso a um esforço de continuidade, de persistência, a uma "pedagogia do trabalho".
Este Debate pode ser, assim o desejo, o início de um processo de reconciliação da nossa cultura com a cultura escolar. É importante que ele se construa como um debate informado (não apenas de especialistas, mas de todas as pessoas e instituições). Um debate aberto e transparente, que não se limite a ser um receptáculo de queixas e lamentações, mas que procure dar um rumo, um sentido positivo, à nossa insatisfação. Um debate que nos coloque perante um dever de coerência, designadamente no que diz respeito a uma exigência de resultados por parte da escola. Não vale a pena uma permanente indignação caso ela não se traduza em acção decidida e constante. Um exemplo? Aqui fica, descrito a traços largos.
Durante décadas e décadas e décadas Portugal foi o país da Europa que menos investiu em educação. Mesmo depois de Abril, estivemos sempre abaixo da média europeia. Recentemente, entre 1997/1998 e 2002/2003, num período curto de 4 ou 5 anos, fizemos um esforço um pouco maior. Um indicador, apenas um - a despesa pública em educação estimada em percentagem do PIB - subiu acima da média europeia (o que não espanta tendo em conta que o nosso PIB é muito baixo!) e logo se generalizou a ideia de que estávamos a gastar de mais.
Não se consultou a página anterior dos mesmos relatórios (aí se verificando que a despesa média por aluno continua a ser das mais baixas da Europa) ou a página seguinte (aí se constatando que o total da despesa em educação, e não apenas da "despesa pública", estimada em percentagem do PIB não ultrapassa a média europeia). Publicou-se apenas, e repetidamente, a mesma página com o objectivo de criar um ambiente social desfavorável ao investimento público em educação.
Trago-vos esta ideia apenas como um exemplo. Porque em educação é impossível colher aquilo que não se semeia. Quem está disposto a bater-se pela escola? Quem acredita na importância da cultura escolar (literária, artística, científica), de uma cultura que é feita de trabalho, de persistência, de continuidade, de justiça, de diálogo?
Para mim, é este o sentido do debate que a Assembleia e o Conselho Nacional de Educação decidiram levar a cabo. Talvez tivesse preferido, não o escondo, que ele fosse mais centrado sobre a Escola, sobre a cultura escolar. Receio que o tema "Educação" seja demasiado vasto. Mas estou certo de que os membros da Comissão saberão enquadrá-lo com grande discernimento.
Não me ficaria bem, iniciar um debate apresentando soluções. Tentarei, sim, avançar algumas perguntas que me parecem importantes. Organizei-as em quatro pontos - as missões, os alunos, as escolas, os professores - com os seguintes títulos:
1. À escola o que é da escola, à sociedade o que é da sociedade.
2. Assegurar que todos os alunos tenham verdadeiramente sucesso.
3. A liberdade de organizar escolas diferentes.
4. Reforçar a formação dos professores e a sua profissionalidade.

(...)
Ler mais?

Documento em PDF

A Construção Estatística da Educação - Paulo Guinote

A Construção Estatística da Educação passa por procurar fundamentar políticas educativas com base numa selecção de indicadores educacionais mais ou menos sortidos de acordo com as conveniências do momento, “trabalhando-os” da forma que mais interessa e isolando-os de outros indicadores que os possam contrariar ou matizar as conclusões mais imediatas e simplistas que se possam fazer com aqueles. Desde final do século XIX que o indicador essencial mais usado de forma dramática foi o da taxa de analfabetismo; a certa altura abrandou-se esse ênfase para se destacar o das realizações materiais (é o que acontece na 1ª fase do Estado Novo); posteriormente (desde final dos anos 50 até aos anos 80) voltou-se ao flagelo do analfabetismo e à baixa escolarização da população para desde os anos 90 sermos dominados pela questão do insucesso e abandono escolar. Ainda mais recentemente, optou-se por recortar alguns indicadores sobre os gastos com o sector da Educação e sobre o trabalho docente. Em todos os casos, preferiu-se usar um conjunto restrito de indicadores, de modo a fundamentar leituras simplistas e lineares da realidade e a justificar medidas legislativas tendenciosas e marcadas ideologicamente (agora não dá para explicar isto em detalhe). A Construção Estatística da Educação é, no seu extremo menos rigoroso, uma construção ficcionada da realidade educativa. Na melhor das hipóteses resulta de e numa leitura redutora dessa realidade. Em muitos casos, tenta-se influenciar a evolução das próprias estatísticas com medidas legislativas destinadas a condicioná~las artificialmente (foi o que aconteceu em boa parte dos anos 90 do século XX).


Construção Política das Estatísticas,
que todos nós conhecemos bem e não só da área educativa. Basta lembrarmo-nos das baralhices bem recentes em torno dos indicadores relativos à evolução do custo de vida, do poder de compra, do desemprego e, last but not tle least, do famoso défice orçamental. A coisa é bem simples e passa por mudar, num qualquer momento e quantas vezes de forma inopinada, os critérios segundo os quais se recolhem, seleccionam e tratam (agregando ou isolando indicadores, aumentando ou diminuindo as unidades de análise) os dados estatísticos disponíveis ou passíveis de assim estarem. O problema não está, unicamente, na má qualidade dos dados. O problema está na variação dos critérios. Porque se os critérios forem uniformes, até más séries de dados podem ser úteis, porque permitem ao menos medir variações. Agora se os critérios andam sempre aos saltos, não há volta a dar ao problema.

Ler mais? Da Construção Estatística da Educação à Construção Política das Estatísticas

14.10.07

Para que servem hoje os exames?

Todos os anos, no final do ano lectivo, o país entra de férias e os jornalistas ficam com escassos assuntos para abordarem. Entretanto descobriram um novo filão, inesgotável pelo interesse que revela junto da opinião pública: as classificações dos exames de Matemática.

Os meios de comunicação social aproveitam a ocasião para deitar um olhar, sempre superficial e inconsequente, sobre o ensino da Matemática, alguns comentadores de serviço bem posicionados nos lobbies dos media aproveitam a oportunidade para ganhar mais algum tempo de antena e alguma visibilidade, sempre esporádica e igualmente inconsequente, e o Ministério da Educação naturalmente procura explicar na mesma comunicação social as causas da melhoria ou não desses resultados, nunca pondo em causa naturalmente o próprio sistema de exames” (Matos, 2007).

Por razões que andam afastadas do debate público, “existe uma fé generalizada na bondade dos exames escolares em todos os níveis de ensino” (idem). Acredita-se mais na pretensa objectividade do resultado das medições da aprendizagem quando efectuadas através de um exame escrito, com restrições de tempo, e numa situação formal anónima, estranha ao processo de aprendizagem, do que numa avaliação prolongada no tempo e decorrente do conhecimento profundo do aluno – conhecimento com margens de incerteza, evidentemente, como é próprio do processo de construção de qualquer conhecimento.

O valor que atribuímos à avaliação que se faz nos exames deriva em grande parte de estarmos habituados a conformarmo-nos com os seus resultados, e da necessidade de uma segurança mínima dos alunos contra o arbítrio dos seus mestres. A integração de cada classificação no conjunto mais amplo da turma, do curso, da escola, do ano escolar, etc. constitui redes de equivalência que simultaneamente as confirmam e lhes conferem significado. Por exemplo, um 14 ou um 16 dizem pouco a um aluno por si mesmos, mas ele concluirá facilmente que se encontra muito bem remunerado com 12 se reconhecer que outros colegas que tiveram melhor desempenho foram classificados com 14, isto é, o que confere significado à classificação é a sua integração numa relação de equivalência. Nos exames sucede o mesmo, havendo a possibilidade de recurso para corrigir a excessiva severidade do corrector. Não interessa aqui discutir “em que percentagem” cada aluno compreendeu o teorema de Pitágoras, mas que os exames e os testes realizam essa maravilha de quantificar o não mensurável, lá isso fazem! Matos recorda que “ao assumir-se, erradamente, o rigor da quantificação esquece-se que se trata apenas da aplicação de modelos matemáticos que podem ser úteis ou não para um dado fim e que podem traduzir melhor ou pior uma dada situação” (ibidem).

A simples expressão das classificações numa escala numérica, de 0 a 20, transmite por si uma ideia de maior rigor, clareza e objectividade, que as apreciações qualitativas. A associação cega dos números à Matemática, às ciências, ao suposto rigor e à objectividade é um mito sociocultural. Que utilidade tem para os alunos um 4 ou um mau? Eles achariam interessantes sim, observações técnicas que lhes permitissem corrigir os erros específicos da prova, pois assim aprenderiam efectivamente, e posteriormente obteriam melhores resultados. Cada prova poderia oferecer uma oportunidade de avaliação formativa.

Apesar de não ter utilidade para os estudantes, a expressão das classificações na escala de 0 a 20 tem utilidade para o sistema, pois concilia o princípio da escola democrática aberta a todos os estudantes com o princípio da hierarquia que impõe uma selecção prematura dos estudantes alegando a escassez de recursos. Enquanto pelo primeiro princípio a escola seria para todos, pelo segundo seria um privilégio acessível aos melhores, e é neste contexto que a avaliação traduzida numa escala numérica, utilizando preferencialmente os testes como instrumentos de avaliação e os testes, e sendo os exames finais a sua jóia da coroa. É através do campeonato dos exames que se tem decidido quem entra ou não no Ensino Superior, designadamente em Medicina, que é a área que têm mantido médias mais elevadas. Com a redução dos obstáculos à mobilidade do trabalho no seio da União Europeia não faz sentido impedir os nossos estudantes de se formarem para assegurar mercado (a preços elevados) à classe médica estabelecida, pois já temos experiência de atendimento por espanhóis e por oriundos de leste.

Em resultado da excessiva importância atribuída às tarefas de avaliação no Ensino Secundário, são menosprezados outros aspectos da relação pedagógica. Quando passar no exame se torna o único objectivo, estudar para exame é o método, que vai prevalecer sobre todos os outros. Qualquer tarefa que reflicta alguma inovação pedagógica, logo mais consumidora de tempo, é facilmente abandonada com o argumento que “isso não sai no exame”, portanto não interessa. Investigações matemáticas, modelação matemática, projectos, história da Matemática, etc. O “método” de estudar para exame (des)organiza as actividades pedagógicas ao longo de todo o ano, porque a forma mais eficaz de se preparar para os exames é fazer muitos exercícios semelhantes “aos que podem sair no exame”, chegando-se frequentemente ao limite em que os alunos até conseguem responder, mesmo sem terem lido convenientemente as questões que lhes são colocadas no enunciado! Isto é, este método em vez de contribuir para o desenvolvimento das capacidades cognitivas dos alunos, transforma as tarefas escolares em trabalho de execução. Designadamente em Matemática, o “treino” em determinado tipo de questões é frequentemente defendido, e certamente que a destreza nalgumas rotinas matemáticas é absolutamente indispensável para responder a determinadas questões mais complexas. Saber quais são as rotinas fundamentais que exigem maior destreza, das que apenas são recordadas em momentos excepcionais distingue os melhores alunos dos seus colegas, e também faz parte da arte de ensinar que caracteriza os bons professores, porque desde que dotado com os conceitos chave o aluno consegue resolver os problemas.

O alegado insucesso escolar a Matemática justifica a multiplicação dos Planos de Acção para a Matemática. A Ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues acredita tão convictamente no seu Plano de Acção para a Matemática que afirmou que ”pela primeira vez o país associará os resultados não apenas à performance dos alunos, mas também ao trabalho das escolas e dos professores”. Fez esta declaração a propósito dos exames nacionais do 9º ano, no final de uma reunião de balanço do primeiro ano do Plano da Matemática, a 11 de Maio de 2007 (PÚBLICO).Tem certezas tão inabaláveis que escreveu que o “Plano de Acção para a Matemática registou balanço positivo no primeiro ano de execução”(http://www.min-edu.pt/np3/668.html), fez um balanço positivo do seu plano, apesar de ter expulsado da respectiva comissão de acompanhamento a Associação dos Professores de Matemática! (http://www.apm.pt/portal/index.php?id=68357). Certamente que se julga uma visionária, portanto pode dispensar aqueles que trabalham quotidianamente com os estudantes!

Não sendo visionária, estará a manipular deliberadamente as estatísticas e os espíritos, porque é bastante mais simples martelar os números do que mudar a realidade. Por exemplo, fixou arbitrariamente que a percentagem de classificações negativas deveria diminuir 5% no exame nacional de Matemática do 9º ano. Porquê 5%? Se é só para poder dizer que atingiu o objectivo, os professores também sabem que além do trabalho legítimo, há métodos mais simples de obter o mesmo resultado, pela maior facilidade das questões propostas ou pela flexibilidade dos critérios de correcção, por exemplo.

Olhando para a Matemática, da perspectiva da 5 de Outubro, o exame será sempre considerado um instrumento excelente, porque tem um carácter unificador, na medida em que permite estabelecer uma relação de equivalência entre os diversos alunos e as escolas. Designadamente desde o ano lectivo 2000/01 os órgãos de comunicação social têm publicado os resultados dos exames e as classificações internas das escolas secundárias, apresentando os dados de forma simplista e desenvolvendo “teorias” espontâneas.

Os dados foram em geral apresentados como uma simples seriação das escolas segundo as classificações nos exames, acompanhada de uma ou outra informação, é certo, mas no fundamental de acordo com o pressuposto de que os resultados nos exames traduzem unicamente o desempenho das escolas e dos professores. Ora tais resultados dependem igualmente do meio sociocultural de origem dos alunos, um fenómeno incontroverso e adquirido desde há décadas no âmbito da sociologia (ME/UNL-FCSH, 2002:3).

No quadro das explicações jornalísticas popularizou-se aquela que designei por mito dos 2 valores, que consiste em considerar normal essa diferença CIF-CE. Esta concepção jornalística de interpretação dos resultados dos exames levou o ex-Ministro da Educação, David Justino, a prometer investigar disparidades entre as notas internas e exames (http://pascal.iseg.utl.pt/~ncrato/Recortes/Justino3_Publico_20021006.htm). Num trabalho anterior já se demonstrou que contrariamente ao que se afirma nos jornais, esta diferença é maior nas disciplinas de ciências exactas que nas disciplinas de ciências literárias. Mais ainda, a disciplina que apresenta maior diferença CIF-CE até corresponde àquela que apresenta maior fiabilidade na correcção das provas de exame, Biologia, (NETO, 2005:203), desfazendo completamente o mito dos 2 valores.

É necessário perceber que o conhecimento, a cultura, a organização escolar não são neutros, sem intencionalidade, assépticos, produtos acabados que existem independentemente do mundo social. Mas ninguém poderá esperar que o Ministério da Educação alguma vez tome a iniciativa de questionar as avaliações realizadas em exames. É necessário que os professores se mexam! Afinal, passando o 12º ano a integrar a escolaridade obrigatória, e encontrando-nos nós numa fase em que o Ensino Superior já teve que aprender a “pescar” os alunos do alunos do Ensino Secundário, em vez de os seleccionar, para que servem hoje os exames?



Recorde-se que as classificações de exame apenas contam em 30% para a classificação final, contribuindo as classificações internas de frequência em 70% para a classificação final, de acordo com a legislação em vigor (http://www.min-edu.pt/np3/299.html), isto é:



Como só se podem ir a exame alunos que tenha obtido 10 na classificação interna, isso significa que apenas reprovam os que tenham obtido em exame menos de 8,3 valores, pois mesmo com esta classificação a fórmula assegura-lhes a passagem à disciplina com10 na classificação final. Isto é, apesar da ampla polémica em torno dos exames, a importância destes para a classificação final é menor do que parece. Repare-se que se o aluno for a exame com 11, basta-lhe ter 5,9 para passar, com 12 basta-lhe 3,7, com 13 precisa de 1,4, e com 14 na CIF é impossível reprovar, mesmo que obtenha um 0 no exame!

A observação empírica permite verificar que são escassos os casos dos alunos que lutam até ao final do 3º período sem obterem pelo menos um 10, mas particularmente em Matemática, as negativas muito baixas em exame são frequentes. 735/Matenmática B, conjuntamente com 615/Física e 715/Fisíca e Química A constituem o conjunto das disciplinas com classificações mais baixas. Consultando o relatório do Júri Nacional de Exames de 2007 (http://www.dgidc.min-edu.pt/jneweb/relato.htm) verifica-se que além destas disciplinas também 132/Latim e 317/Francês registam médias de exame inferiores a 8 valores, mas nestas o número de inscritos não é significativo (38 e 5, respectivamente).

Quando alguém não terminou o ensino secundário porque lhe falta apenas uma disciplina, geralmente até advínhamos a disciplina em falta. Matemática! Em Física ou Química os alunos que não conseguiram transitar nunca são em número suficiente para formar uma turma de repetentes. Esse é outro dos “privilégios” da Matemática! Os testes classificam o desempenho escolar dos alunos, mas a frequência e coerência das classificações reflecte-se na avaliação das suas qualidades pessoais, e uma forma de demonstrarem a si próprios que não se resignam perante as adversidades da vida pode passar pela fuga ao veredicto professoral, desistindo da Matemática...



Sem compreender que o essencial da avaliação passa pelas relações estabelecidas entre professores e alunos, o ME insiste em mecanismos integradores das práticas pedagógicas em pretensas aulas semelhantes, visando atingir a equidade entre os que se submetem ao mesmo exame. Desenvolvendo a lógica industrial típica da justificação dos exames, o ME "disponibilizou, a professores e alunos, um conjunto de instrumentos que assegurem, não apenas a avaliação sumativa externa, mas igualmente a orientação e a preparação para os exames nacionais, proporcionando elementos de estudo e de aprendizagem adequados aos vários níveis de ensino". Em 2006/07 foram criados os testes intermédios em Matemática A, e durante este ano lectivo irão ficar disponíveis testes para outras disciplinas. Na mesma lógica criaram a sebenta electrónica Projecto 1000 Itens (http://www.gave.min-edu.pt/np3/15.html), que constituirá a versão moderna do Palma Fernandes, a acrescentar a toda a parafernália de publicações com exercícios de exame resolvidos. No fundamental a receita é simples: quanto mais exercícios fizeres melhor! O insucesso apenas pode resultar de treino insuficiente, pelo que as tarefas de remediação consistem sempre em mais exercícios! Não se contesta a necessidade do trabalho escolar para aquisição do conhecimento, mas alerta-se para um fenómeno observado em escolas do concelho de Sintra, que terá ocorrido noutros locais. Para ficarem melhor posicionadas nos rankings de escolas, estas resolveram utilizar horas do crédito global para oferecer mais uma hora lectiva por semana às turmas de Matemática do 12º ano, à custa da redução das actividades extra-curriculares (NETO, 2005:222). Certamente que nenhum político, teórico ou pedagogo defenderá a substituição de actividades lúdicas por horas de “preparação para os exames”!

12.10.07

Bibliografia

ABRANTES, Paulo, (1990), Diz-me como avalias, dir-te-ei como ensinas..., Educação e Matemática, nº 16.

ALBUQUERQUE, Rui Pedro, (1998), Questionário ao uso de tecnologia nas aulas de matemática, Boletim da SPM – nº 38, p. 139-144.

APM, (1998), Matemática 2001 – Diagnóstico e Recomendações para o Ensino e Aprendizagem da Matemática, Relatório preliminar.
http://www.apm.pt/apm/2001/2001_a.htm

CCPFC, http://www.ccpfc.uminho.pt

CHAPOULIE, Jean Michel, (1979), - La competence pédagogique des professeurs comme enjeu de conflits, Actes de la Recherches en Sciences Sociales, nº 30, pp. 65-85.

DINIS, Eduardo, (2003), - A ansiedade na Matemática, Educação Matemática, nº 72, p. 26.

EUROSTAT, http://epp.eurostat.cec.eu.int

FERNANDES, José António, VAZ, Olga, (1998), Porquê usar tecnologia nas aulas de Matemática?, Boletim da SPM – nº 39, p. 43-55.

MATOS, João Filipe, (2007) – Exames? Não, Obrigado!, in APMinformação, nº 86, Setembro de 2007, pp. 11-12, Lisboa.

ME/UNL-FCSH, (2002), Proposta de Seriação das Escolas do Ensino Secundário (Ano Lectivo de 2001/02), Lisboa

MILLENIUM, Revista do Instituto Superior Politécnico de Viseu, http://www.ipv.pt/millenium/Millenium24

MSI/MCT, (1997), Missão para a Sociedade da Informação, Ministério da Ciência e da Tecnologia, Livro Verde para a Sociedade da Informação em Portugal, http://www.acesso.umic.pcm.gov.pt/docs/lverde.htm

NETO, Dulce, (2001), Difícil é sentá-los – A educação de Marçal Grilo, Oficina do Livro, Lisboa.

NETO, José, (2005), Entendimento Professoral da Avaliação, tese de mestrado, FCSH/UNL (policopiado) http://www.prof2000.pt/users/neto98/epa/

OCDE, (2003), Economic Surveys, Portugal, http://www.oecd.org

PNUD (2005), Relatório do Desenvolvimento Humano, http://hdr.undp.org

PONTE, João Pedro da, (1994), - Matemática: Uma disciplina condenada ao insucesso?, NOESIS (Instituto de Inovação Educacional), Nº 31, pp. 24-26

POS_Conhecimento, http://www.posi.pcm.gov.pt

RAFAEL, Amélia, (2003), Um olhar sobre as concepções dos professores sobre a avaliação no ensino secundário..., Educação e Matemática, nº 74, pp. 51-55.

REANIMAT, http://www.ptmat.fc.ul.pt/~armac/Reanimat/

SANCHEZ, Luís, (1998), Carta aos Editores do Boletim da SPM, Boletim da SPM – nº 38, p. 81-83.

SANTIAGO, Rui, CORREIA, Maria Fernanda, TAVARES, Orlanda, PIMENTA, Carlos, (2004), Um olhar sobre os "rankings", Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior, Lisboa.

SPM, (1999), Editorial, Boletim da SPM – nº 41, p. 7-8.

TAVEIRA, Augusto, (2002), Afinal a Matemática é ou não é difícil?, APM, http://www.apm.pt/apm/revista/educ.htm e cópia em http://rycardo3.planetaclix.pt/cronica5.html

THÉVENOT, Laurent, (1990), L'action qui convient, in Pharo, P., Quéré, L., (eds.), Les formes de l'action, série Raison Pratique n°1, Paris, Editions de l'EHESS, pp.39-69.

THÉVENOT, Laurent, (2005 ?), Ficheiro TH_familiar.doc

VIANA, César Augusto, (2000), Considerações de Ordem Didáctica Sobre a Programação de Calculadoras no Ensino Secundário, Boletim da SPM – nº 42, p. 25-37.

WIKIPÉDIA, http://pt.wikipedia.org/wiki/Teorema_Das_Quatro_Cores