28.12.05

A calculadora gráfica e as diferentes concepções de ensino da Matemática

Entre os recursos acima referidos, certamente que a calculadora gráfica é o mais comummente utilizado. O programa torna-a um recurso obrigatório, e nos exames saem questões às quais não é possível responder sem ela. Deste modo, a questão nunca se poderá colocar em termos de professores que utilizam versus aqueles que não utilizam a calculadora. O que os distingue é o doseamento da sua utilização, mais frequente entre os “especialistas das Ciências da Educação” relativamente aos “matemáticos”. A frequência com que se utiliza este recurso é importante porque tem consequências “sobre o que se ensina e na forma como se ensina. Relativamente aos conteúdos matemáticos, podemos repensar o papel do cálculo e da demonstração, das múltiplas representações em Matemática e da relação entre a Matemática e a realidade. Em termos de ensino, uma menor ênfase no cálculo permite explorar situações envolvendo níveis cognitivos mais elevados” (Fernandes, 1998:43), defendem os especialistas de “Ciências da Educação”.

O que os “matemáticos” contestam é o abuso da utilização das calculadoras, sugerindo que “seria interessante medir quanto a exagerada utilização e as concessões que se fazem às máquinas pelas suas limitações e pelos resultados aproximados, no decorrer de uma aula, estão formando espíritos menos rigorosos, menos exigentes e mais preguiçosos, tanto por parte dos alunos como dos professores” (Albuquerque, 1998:140). Contrapõem que a calculadora não permite explorar níveis cognitivos mais elevados, uma vez que a máquina nos conduz no sentido inverso ao da abstracção. “O nível de compreensão não aumenta pelo galopar sobre questões cuja resposta nunca envolve trabalho concreto. Ao menos recorde-se que a calculadora é estranha à assimilação de um raciocínio matemático e nenhuma tecla ou gráfico oferecidos como que por magia substituem o pensamento e a dedução lógica” (ibidem).

A calculadora permite resolver problemas que sem a mesma não seriam resolvidos, mas simultaneamente também permite verificar de forma “artesanal” soluções às quais se poderia chegar com maior formalismo. Isto é, em Matemática o que conta não é apenas encontrar o “resultado” certo, mas também o “caminho” percorrido, isto é, o método adoptado. Por exemplo, suponha-se que o problema consiste em encontrar o máximo da função y = -x^2 + 50x. A representação gráfica da função sugere ao aluno que esta é crescente até 25, e decrescente a partir desse valor. Uma “demonstração artesanal” que os alunos frequentemente apresentam consiste no cálculo do valor da função para valores próximos do máximo, como se ilustra na tabela abaixo.

Esta solução fere inevitavelmente os matemáticos puristas, que considerarão muito mais elegante calcular a primeira derivada de y relativamente a x, e igualá-la a zero, isto é:
y’ = -2x + 50
De -2x+50=0 resulta x=25. E só consideram a prova de que se trata de um ponto máximo após a confirmação do sinal negativo da segunda derivada, y”= -2. O valor da “demonstração artesanal” dependerá da concepção do ensino da Matemática. Um purista colocará um traço por cima do exercício, mas um professor que valorize a descoberta considerará que o problema foi resolvido. Sabe-se que parte das dificuldades da Matemática resultam da sua própria conceptualização. Observa-se que a formalização nesta disciplina não é um problema específico do ensino, referindo como exemplo o teorema das quatro cores, um problema de formulação muito simples:

Dado um mapa plano, dividido em regiões, quatro cores chegam para o colorir, de forma a que regiões vizinhas não partilhem a mesma cor.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Teorema_Das_Quatro_Cores

Constitui desde 1852 um quebra-cabeças para os matemáticos, apenas tendo recebido propostas de demonstração mais satisfatórias com recurso a computadores. Lurdes Sousa, professora do Instituto Politécnico de Viseu, questiona se “será possível encontrar uma demonstração cujos cálculos subjacentes tenham uma dimensão humanamente atingível sem a ajuda de computadores?” (http://www.ipv.pt/millenium/Millenium24/12.pdf). Se as exigências conceptuais criam barreiras aos próprios matemáticos, não admira que constituam um obstáculo para os alunos. Certamente que as questões objecto de controvérsia entre os “matemáticos” e os especialistas de “Ciências da Educação” no quotidiano escolar serão incomensuravelmente mais simples de resolver que este teorema. Mas como se traduzirão estas disputas no quotidiano escolar? Que concepções do ensino da Matemática predominam? Será possível impor concepções de ensino pela simples alteração dos programas? É a formação inicial dos professores que determina predominantemente as suas concepções? A formação contínua contribuirá para superar eventuais défices da formação inicial? Supõe-se que a resposta a estas questões permitirá esclarecer melhor o debate sobre a educação.

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