5.11.07

Quem está disposto a bater-se pela escola? - António Nóvoa

Nos últimos vinte anos, a generalização de uma educação básica de 9 anos pode ser contada como uma história de sucesso, como uma "herança" de que nos podemos orgulhar como acaba de recordar o Primeiro-Ministro. Mas, recentemente, descobrimos a reduzida percentagem de jovens que termina o 12º ano de escolaridade. Novos indicadores estatísticos, produzidos pela OCDE e pela União Europeia, deixam-nos inquietos e preocupados. Não espanta, por isso, que o actual Governo tenha anunciado como objectivo "a obrigatoriedade de formação profissional ou de frequência escolar até aos 18 anos".
Quero chamar a atenção, com estas breves referências, para a profunda insatisfação que se instalou na sociedade portuguesa no que se refere aos índices de insucesso e de abandono escolar ou à saída prematura do sistema educativo sem qualquer qualificação. O país sente-se muito frágil na comparação com os seus parceiros europeus.
Mas esta insatisfação "quantitativa", chamemos-lhe assim, desdobra-se numa outra, "qualitativa", relacionada com os fracos resultados escolares dos alunos. Uma série de estudos internacionais, fortemente inspirados por comparatistas e investigadores da educação, divulgaram, nos últimos anos, "listas" que situam os nossos alunos nos últimos lugares.
Portugal tinha a ilusão de estar a fazer um esforço importante na área da Educação. De repente, tanto os indicadores quantitativos como os qualitativos, explicavam-nos, com a força dos números, que continuávamos no mesmo lugar de sempre, aquele lugar que a nossa literatura designou por "cauda da Europa".
Será que não houve melhorias? Claro que houve, mas a nossa "posição relativa" não se alterou desde o final do século XIX. Peço desculpa de falar com esta frontalidade. Talvez não seja a melhor maneira de iniciar um debate sobre o futuro da Educação. Eu sei que é duro, mas precisamos de nos olhar no "espelho do passado", de um passado ainda tão presente.
E porquê? São muitas as razões, de uma história longa, que não é possível resumir em poucas palavras. Do ponto de vista da educação sempre fomos o Sul do Sul. Olhámos para a escola, melhor dizendo, para a cultura escolar com reserva e desconfiança. Cultivámos, e praticámos, uma visão de nós mesmos que nos situa do lado da inventividade, do engenho e da astúcia, da esperteza, até do génio. Mas O mundo que o português criou, para lembrar Gilberto Freire, revelou-se avesso a um esforço de continuidade, de persistência, a uma "pedagogia do trabalho".
Este Debate pode ser, assim o desejo, o início de um processo de reconciliação da nossa cultura com a cultura escolar. É importante que ele se construa como um debate informado (não apenas de especialistas, mas de todas as pessoas e instituições). Um debate aberto e transparente, que não se limite a ser um receptáculo de queixas e lamentações, mas que procure dar um rumo, um sentido positivo, à nossa insatisfação. Um debate que nos coloque perante um dever de coerência, designadamente no que diz respeito a uma exigência de resultados por parte da escola. Não vale a pena uma permanente indignação caso ela não se traduza em acção decidida e constante. Um exemplo? Aqui fica, descrito a traços largos.
Durante décadas e décadas e décadas Portugal foi o país da Europa que menos investiu em educação. Mesmo depois de Abril, estivemos sempre abaixo da média europeia. Recentemente, entre 1997/1998 e 2002/2003, num período curto de 4 ou 5 anos, fizemos um esforço um pouco maior. Um indicador, apenas um - a despesa pública em educação estimada em percentagem do PIB - subiu acima da média europeia (o que não espanta tendo em conta que o nosso PIB é muito baixo!) e logo se generalizou a ideia de que estávamos a gastar de mais.
Não se consultou a página anterior dos mesmos relatórios (aí se verificando que a despesa média por aluno continua a ser das mais baixas da Europa) ou a página seguinte (aí se constatando que o total da despesa em educação, e não apenas da "despesa pública", estimada em percentagem do PIB não ultrapassa a média europeia). Publicou-se apenas, e repetidamente, a mesma página com o objectivo de criar um ambiente social desfavorável ao investimento público em educação.
Trago-vos esta ideia apenas como um exemplo. Porque em educação é impossível colher aquilo que não se semeia. Quem está disposto a bater-se pela escola? Quem acredita na importância da cultura escolar (literária, artística, científica), de uma cultura que é feita de trabalho, de persistência, de continuidade, de justiça, de diálogo?
Para mim, é este o sentido do debate que a Assembleia e o Conselho Nacional de Educação decidiram levar a cabo. Talvez tivesse preferido, não o escondo, que ele fosse mais centrado sobre a Escola, sobre a cultura escolar. Receio que o tema "Educação" seja demasiado vasto. Mas estou certo de que os membros da Comissão saberão enquadrá-lo com grande discernimento.
Não me ficaria bem, iniciar um debate apresentando soluções. Tentarei, sim, avançar algumas perguntas que me parecem importantes. Organizei-as em quatro pontos - as missões, os alunos, as escolas, os professores - com os seguintes títulos:
1. À escola o que é da escola, à sociedade o que é da sociedade.
2. Assegurar que todos os alunos tenham verdadeiramente sucesso.
3. A liberdade de organizar escolas diferentes.
4. Reforçar a formação dos professores e a sua profissionalidade.

(...)
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